Esse texto é um texto que vai machucar alguns, que alguns não vão gostar, que vai cutucar a ferida de muitos, mas é um texto que precisa ser compartilhado e que precisa ser lido por todo médium de Umbanda. É um texto que fala muito mais sobre a posição psicológica de um médium quando ele entra para uma corrente de um terreiro do que qualquer outra coisa.
Vamos separar em três as fases da mediunidade. Primeiro o médium é uma criança dentro de uma corrente, depois ele é um adolescente até que ele se torna de fato adulto dentro de uma corrente. E isso acontece com todo mundo. Isso aconteceu comigo e isso acontece em diferentes escalas e em diferentes tempos mas acontece.
Então vou começar falando sobre a infância da mediunidade ou seja o médium quando ele acaba de entrar numa corrente. Não tem a ver com a idade, eu posso ter 70 anos e ser uma criança dentro de uma corrente. Essa primeira fase ela é muito mágica. O momento que você decide vestir o branco e entrar para uma corrente é tudo muito mágico, é tudo muito diferente, ainda entende a Umbanda como uma festa, uma coisa divertida. Acha que vai pro terreiro para fazer amigos sejam espirituais, sejam físicos encarnados. Acha tudo muito divertido. É a fase de uma criança mesmo. Acha tudo muito colorido, tudo legal, não consegue entender algumas coisas e fica dentro da cabeça uma impressão maravilhosa e quase mágica mesmo. Como se fosse um conto de fadas.
Todo médium começa assim. Existem dois tipos de crianças mediúnicas. Tem aquela criança que corre atrás de tudo, que quer saber tudo, que cambona, que ajuda, que limpa, que faz e acontece, que pergunta, que tem dúvida, que vai pra fora estudar, mas ainda escuta muito seu zelador, tem aquela coisa de pesquisar do lado de fora, mas ainda tem muito na cabeça dele aquilo que o zelador fala e orienta, como o papai e a mamãe que são super heróis, que vê no médium mais velho um herói que sabe tudo, que o pai ou mãe de santo são perfeitos, são deuses na terra, são maravilhosos, que as entidades são encantadoras, que não tem defeito e tudo mais. Existe esse tipo de médium. Esse tipo de médium tem um defeito muito grande que é: a humildade e a dedicação ao terreiro muito mais por uma obrigação do que necessariamente por uma crença nisso. Ele pensa: “Ah, a Umbanda pede humildade, pede respeito, dedicação, disciplina então por ela pedir isso eu me esforçarei para fazer” quando na verdade não parte dele, mas muito mais porque é um tipo de “ordem” estabelecida do que necessariamente por ter entendido que isso é importante.
Vocês podem até pensar que não acontece e dizer: “Eu sou médium humilde acabei de entrar pra corrente e sou dedicado porque eu realmente acredito nisso”. Caros, não é bem assim. É como tudo na vida. No começo quando você exige de uma criança que ela coma arroz, feijão, carninha e saladinha, ela come aquilo não porque ela entende que faz faz bem, mas porque ela sabe que tem que comer aquilo porque o adulto impõe, ela só vai adquirir gosto por aquilo conforme o tempo for passando e acontece a mesma coisa com o médium. Ele começa na caridade, disciplina, dedicação muito mais por uma obrigação, uma exigência que a religião pede, para depois ele aprender aquilo e aí sim se tornar natural dentro dele. E é uma coisa que se você está enquadrado nisso, é uma coisa que você tem que trabalhar. A humildade, disciplina não necessitam e aplausos você trabalha isso para seu próprio crescimento e não por reconhecimento. Ninguém tem que aplaudir se você é um médium humilde, principalmente seu pai ou mãe de santo, entendem? Você não tem que ser humilde porque alguém deu uma ordem e você vai lá e obedece certinho, mas sim porque você precisa desenvolver isso dentro de você.
Existe um outro tipo de criança mediúnica que é a criança birrenta. É a criança que vai bater o pé porque ela vai querer as coisas do jeito dela. E aí aquilo que o pai ou mãe de santo fala, ele não entende muito bem, não concorda, aí ele vai procurar do lado de fora e vai engolir um monte de informações, um monte de doutrina tudo misturada, não dá muita bola para o que o pai ou mãe de santo fala ou ensina porque o que ele quer? STATUS. É a criança que quer estar junto com os que mandam no recreio. É o médium que logo quer saber a entidade com qual trabalha porque ele quer logo ser um médium forte, ir pro toco, acha tudo bonito, mas o bonito não pela beleza da religião, mas o bonito pelo status da beleza, do tipo: “Ah, porque a roupa é mais bonita assim”, “Porque minha saia é mais bonita assada”, “Ah porque eu não vejo a hora de saber o que a minha entidade bebe porque ela deve beber algo muito chique e deve ser algo muito legal”. E esse é um tipo de médium muito problemático.
A primeira criança mediúnica ela tem um risco de gerar inferioridade de si mesma, desse médium achar que nunca tá bom, ele achar que é sempre inferior aos outros, não tem como medir, tem que ter humildade, mas você não tem que se achar inferior. Conforme a mediunidade vai desenvolvendo, o médium tem que agradecer as evoluções da sua mediunidade sem ficar sempre no: “Eu não mereço”, porque cada um tem o seu passo. Já o outro médium tem o risco do ego, são esses os dois extremos. O médium que é egocêntrico, por exemplo: “Porque minha entidade isso”, “Porque quando minha entidade fizer aquilo”, “Porque quando eu conseguir incorporar e for pro toco eu vou fazer acontecer”. Esse tipo de médium também é um problema.
Então a criança mediúnica está entre essas duas polaridades, aquele que não vê a hora de ir para o toco porque ele é o máximo e aquele médium coitadinho, “Eu não consigo isso”. É normal, tem os dois aspectos e ambos são problemáticos. O egocêntrico para baixar a bola e o com síndrome de inferioridade na hora em que tiver que puxar ele na hora em que as coisas começarem a acontecer.
Quando eles passam dessa fase eles se tornam adolescentes mediúnicos. Todo mundo passa por isso, eu passei por isso. A fase da adolescência mediúnica ela é a mais complicada dentro de um terreiro. O adolescente por si só é um ser delicado por natureza. Um caso a ser estudado pela Nasa. Ele se acha adulto e conhecedor dos “paranauês”, vamos ser bem sinceros. Mas quando ele bambeia e não consegue resolver um negócio ele sai correndo para pedir que um adulto resolva. Então quando o médium está na adolescência mediúnica, ele já tem ali suas entidades firmadas, o seu dom mediúnico já está desenvolvido, ele já consegue ver ou escutar ou sonhar e daí ele acha que sabe tudo. Aí começa o problema porque é quando ele começa a questionar o pai ou mãe de santo porque aquilo que no começo ele obedecia e baixava cabeça porque o pai ou mãe de santo estava mandando, agora ele não quer mais obedecer, ele quer ser rebelde, ele sabe o que ele faz. Por exemplo, então ele chega pro zelador e fala pra ele ou ela que tá saindo com dor da gira e o pai ou mãe de santo explica que é assim mesmo, vai passar. Esse médium já fica revoltado porque o pai ou mãe de santo não está escutando ele, não tá dando valor para o que ele está dizendo. Isso acontece com todos. Começam os questionamentos de coisas que o médium não está pronto para entender, outro exemplo, quando um pai ou mãe de santo falam: “Não, esquece isso, não é para você saber, você está só sonhando, é da sua cabeça”. Tem médium que fica bravo ao ponto de dizer: “Como assim é coisa da minha cabeça? Mas eu já estou tanto tempo na Umbanda, a minha clarividência cresceu tanto, se eu tô vendo é porque tem razão, tem um porquê.” E não é bem assim. Se o pai ou mãe de santo não disse o porque ou não deu bola, motivo tem.
As vezes você só não está pronto. Exatamente como acontece na vida quando a gente é adolescente quando exigimos certas coisas do pai e da mãe e eles podam, eles cortam e dizem que não. Por exemplo, o adolescente: “Ah, mas eu já tenho 17 anos eu posso ir para a balada” e o pai, “Não, você não pode você ainda só tem 17 anos, sossega.” Aí vem a crise do adolescente: “Eu já tenho idade para fazer isso e eles estão querendo se crescer pra cima de mim.” O médium também passa por essa fase. E se você médium está nessa fase segue um conselho que ninguém nunca me deu: SOSSEGA, baixa a cabeça, espera, escuta.
Não interessa o quão ruim a pessoa seja naquilo que você enxerga como errado, ela vai ter o que te passar. Por mais ruins que nossos pais e mãe carnais tenham sido na forma que eles educaram a gente, nós carregamos uma carga de muitas coisas boas que a gente aprendeu com eles. É a mesma coisa dentro de um terreiro, por mais que um pai ou mãe de santo não está dando a atenção que você deseja ou dizendo que são coisas da sua cabeça, ele está te ensinando alguma coisa e geralmente é: disciplina, paciência e respeito a hierarquia. Hoje como pai de santo, zelando pelos meus filhos é que tudo isso faz sentido e vem à tona.
Então faça esse exercício. A gente perde muito quando empina o nariz e diz: “Eu vou sair daqui porque esse pai de santo não entende meu crescimento mediúnico”. Não, não é bem assim. Baixa a cabeça, ele tem muita coisa para te ensinar. Quando a gente passa disso a gente chega na fase adulta da mediunidade. E são raros os médiuns que conseguem chegar nessa fase porque quando eles geralmente chegam na adolescência eles começam a se questionar, ser questionados, começam a impor coisas pra eles porque conforme vai crescendo sua mediunidade vai crescendo suas responsabilidade e consequentemente vai crescendo aquilo que você tem que escutar afinal você tem dois ouvidos pra escutar e uma boca. Então fechar a boca e escutar é importante. E geralmente muitos se desencantam com a Umbanda, batem cabeça e saem da casa porque ele não tem paciência para esperar as fases passarem e geralmente os médiuns desistem nessa fase, como a maioria das coisas que a gente começa na nossa vida, chega a adolescência e a gente desiste porque não conseguimos enfrentar as dificuldades e exigências.
Quando a gente chega na fase adulta da mediunidade pode-se dizer que agora sim você são médiuns de Umbanda plenos porque você começa a entender os nãos e os sims vindo das hierarquias, vindo das entidades principalmente, vindo das coisas que a Umbanda exige, as responsabilidades que a Umbanda exige. E eu posso dizer que estou chegando no meu amadurecimento mediúnico hoje! Recém dirigente de uma casa que é completamente diferente de ser zelador de uma gira apenas eu não fui um médium que chegou no amadurecimento e depois foi cruzado. Eu fui obrigado a amadurecer como pai de santo então foi um pouco mais puxado porque eu tinha responsabilidades muito maiores e eu tive que achar meu eixo de equilíbrio para ser uma pessoa melhor para poder passar para os meus filhos um comportamento melhor, como acontece na vida. É como quando se tem filhos biológicos, eu imagino, quem tem vai entender. A gente só entende certas coisas quando a gente tem quem criar, quem proteger e quem educar. Espero que vocês não precisem chegar nessa fase de serem cruzados para chegar no amadurecimento de vocês. Espero que conforme vocês forem crescendo como médiuns de Umbanda vocês vão adquirindo, de verdade, paciência, disciplina, responsabilidade. Entender que a Umbanda é uma coisa séria, que vocês não tem obrigação de ser melhores apenas em preceitos para rituais, mas sempre, que não é a descoberta do segundo Orixá ou do Carreiro de vocês que dita o caminho da espiritualidade, mas sim o trabalho com os guias e as práticas fora do terreiro, que não é uma guia a mais no pescoço que vai dar a firmeza do trabalho da entidade. Não deixem para depois o que vocês podem melhorar hoje, agora. Não esperem levar na cabeça para ter que ter o aprendizado, se vocês já tem as repostas antecipem as atitudes.
Entender que ir para um trabalho mediúnico não é um clube de férias, você não está indo para o terreiro para ter amigos. Você está indo para trabalhar, para ajudar ao próximo, para fazer a caridade, para ser ferramenta dos Orixás e das entidades para ajudar a um semelhante. Infelizmente tem gente que sai de um terreiro porque não fez amigos, mas não é para isso que você está em uma casa de fraternidade. Da mesma forma que não somos obrigados a ter amigos em um ambiente de trabalho, nós temos colegas, sortudos aqueles que criam amizades dentro de um ambiente de trabalho. No terreiro é a mesma coisa. Você tem irmãos, você tem colegas, você tem elos de uma corrente trabalhando todos juntos. Se estão rindo dos eu cabelo, da sua roupa, da sua cor de pele é eles que estão errados. Se está acontecendo fofocas, panelinha, treta é eles que estão errados. Se você se ofende com isso ou com esse texto você está na adolescência mediúnica, você ainda não entendeu seu papel como médium.
Vai doer em alguns isso e é importante que doa. É importante que vocês se olhem na reforma íntima de vocês, identifiquem que fase vocês estão na mediunidade, do trabalho de vocês dentro de um terreiro e corram atrás de consertar. Para que amanhã ou depois a Umbanda não tenha sido só uma coisa que passou na vida de vocês como quando a gente é adolescente e a gente faz uma tatuagem só porque é da moda e depois que fica adulto se arrepende. Então é a mesma coisa. Esperem, tenham paciência, amadureçam a mediunidade de vocês, o psicológico mediúnico de vocês, o papel de vocês como médiuns para daí vocês chegarem na fase adulta da Umbanda e aí de fato a Umbanda vai ser a religião maravilhosa que de fato ela é para cada um de vocês.
Se eu ofendi alguém, paciência, eu tenho que falar, se dói é porque gerou identificação e estamos aqui para aprender e minha função é essa.
Um fraterno saravá e um xero com axé.
Texto adaptado de Mãe Barbara de Iansã.